Os ‘talebãs’ da gasolina que enriquecem em cidade venezuelana na fronteira com o Brasil
mar
2017
Os ‘talebãs’ da gasolina que enriquecem em cidade venezuelana na fronteira com o Brasil
Daniel García Marco – Enviado especial da BBC Mundo a Santa Elena de Uairén (Venezuela)

De dentro do carro, o cliente mostra o polegar para baixo. De um lado da estrada, o vendedor concorda e estende o dedo indicador para cima.
Com dois simples gestos da mão começa, em Santa Elena de Uairén, na fronteira com o Brasil, um negócio ilegal, mas muito lucrativo; e especialmente atraente agora com a crise da Venezuela. O polegar serve para perguntar se a pessoa no acostamento vende gasolina. O dedo indicador dá o preço. “Um” significa R$ 1, pouco mais de mil bolívares (pelo câmbio não oficial). Na Venezuela, rica em petróleo, a gasolina é subsidiada pelo governo e por isso é vendida quase que de graça ao consumidor. O litro de baixa qualidade se compra no posto a 1 bolívar. E em Santa Elena, é revendido ilegalmente na rua a 1.000 bolívares ou mais a motoristas com placa brasileira.
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Direito de imagem BBC MUNDO Image caption – Ainda que seja proibido, alguns conseguem encher galões extra de gasolina.
Na cidade brasileira mais próxima, Boa Vista, a uns 200 quilômetros da fronteira, esse mesmo motorista pagaria quase R$ 4 pelo litro. Em Santa Elena, é R$ 1.
“Temos a gasolina mais econômica do mundo e, ao lado, temos um país com a terceira gasolina mais cara do mundo. Logicamente, é um atrativo para aquelas pessoas que querem viver de maneira fácil”, admite à BBC Mundo Manuel de Jesús Valles, prefeito do município de Gran Sabana, cuja principal cidade é Santa Elena.
Esses revendedores – ou contrabandistas – são conhecidos na localidade como “talebãs”.
“Em Santa Elena, ou você se dedica ao turismo ou ao contrabando da gasolina. Muita gente não busca trabalho normal, porque o contrabando é muito melhor”, diz um empregado do setor turístico, a principal atividade legal da cidade de 33 mil habitantes.
Refúgio hippie
Santa Elena de Uairén é uma parada quase obrigatória para os turistas que visitam o monte Roraima e a região da Grande Savana, no Parque Nacional de Canaima, uma das joias naturais da Venezuela.
A cidade foi um refúgio hippie, um escondido oásis de tranquilidade, o último povoado antes da fronteira com o Brasil. Mas isso mudou nos últimos anos, com a crise na Venezuela e a chegada de pessoas atraídas pela promessa de gasolina barata.
Santa Elena é um lugar próspero e, por isso, contraditório no país. Não há escassez de alimentos e de produtos básicos que atualmente caracteriza o país em crise; não há filas, nem preços regulados.

Isso ocorre por sua proximidade com a fronteira do Brasil – a apenas dez minutos de carro – o que permite a fácil chegada de produtos de mercearia, ainda que sejam caros.
E outro fator é que há bastante dinheiro circulando na cidade, comparada à maior parte da Venezuela, graças à proximidade com as minas de ouro da região.
Essas jazidas esquentam a economia da região, junto ao turismo e ao comércio. Mas o negócio mais rentável com pouco esforço é o contrabando de gasolina.
A vantagem dos “talebãs” é o limitado número de postos da região. De Tumeremo, epicentro mineiro, até Santa Elena, são 378 quilômetros, mais de cinco horas de carro pela solitária e bela Grande Savana. Entre ambos os pontos, há apenas um posto de gasolina.

Número branco no vidro
Quem já está acostumado a esperar é Alejandro, de pouco mais de 50 anos, que se instalou há pouco em Santa Elena. Ele se mudou de Maturín, a 750 quilômetros, em busca de trabalho. E o encontrou. Ele me disse que ganha a vida com translados até a fronteira com o Brasil. Mas também tem uma renda extra. São 7h30 e ele está na fila para reabastecer em uma das duas bombas de gasolina de Santa Elena. Ele espera em pé em frente a seu veículo, uma caminhonete com um número branco pintado no vidro por um empregado da petroleira estatal PDVSA, dona do posto de gasolina.

Postos sob proteção
Os postos de gasolina de Santa Elena abrem às 8h, vigiados por homens armados com uniforme verde escuro da Guarda Nacional. Um dos postos fica em uma rotatória, da qual saem várias vias principais. A esta hora, de um lado esperam as motocicletas; de outro, os turistas; do terceiro, as caminhonetes Toyota 4×4 que levam os andarilhos ao monte Roraima e que têm prioridade; noutro, está a maior fila de veículos locais, na qual Alejandro ocupa o 55º lugar. E com o número 01 pintado em seu carro está Mari, que tem prioridade por ser mulher – o que não evita que ela esteja esperando desde às 4h.



